O QUE É O DISCÍPULO

foto k.h. turbante

Traduzido do Livro “DISCÍPULOS E MESTRES, ou Os Fatores e Benefícios da Iniciação Espiritual, em espanhol. Obra de meditação para as almas sinceras, que peregrinam em busca da Verdade e estão dispostas para a auto-superação. Por OM. CHERENZI LIND, O Tibetano

Cherche, pense, combine, analyse toi-même, et sache que le sort ne te donnera que ce qui t’appartient par droit de conquête intime, selon tes efforts personnels et l’importance de ton développement de Conscience. Kut Humi

O Discípulo é uma pessoa que conseguiu achar o Sendeiro da Liberação pessoal dos encadeamentos da vida e dos atoleiros das paixões mundanas, graças a seus méritos individuais - já que, de outra maneira, isso não seria possível.

Não se chega ao Discipulado senão depois de tombos incontáveis e de experiências grave, com tudo o que se conseguiu aplacar paixões, sossegar emoções e sentir-se possuído pelo ignoto e inefável, cujo poder irresistível fascina ao sincero peregrino deste mundo. É somente depois de maduras reflexões e de fortes embates da vida que se consegue descobrir o Caminho da Libertação e da Luz Espiritual. Ninguém chega a ele por casualidade, nem é dado merecê-lo por pagamento ou favoritismo.

No momento preciso, chegamos ao Umbral do Mistério e, então, surpreendidos por suas misteriosas influências, deixamos que brotem em nosso ser, desde o recôndito de nossa consciência, vivências, motivos e ânsias inefáveis e inextinguíveis, e... o Mistério da Vida convida-nos ao seu seio imponderável e majestoso. Em tal caso, ninguém pode sobrepor-se às circunstâncias, e não tem mais recurso do que buscar o ignoto, esquadrinhar os campos inexplorados do místico e sentir o influxo maravilhoso do sublime e eterno.

É então quando, absortos e contritos, fazemos obra de fé, e em arranques incontidos de sinceridade, professamos entregar-nos ao destino eterno, à Verdade, ao inenarrável que se nos antolha como a única justificação de nosso ser, de nossa existência e de nossa vida.

E é então quando ocorrem fatos assombrosos em nossa vida. Evocado por nossa própria sinceridade, aparece um ser mais evoluído do que nós, disposto a guiar nossos passos através do labirinto do mundano e sensorial, do ilusório e aparatoso. E é aqui que renascemos, pois a ação deste Guia ajuda a transformação de nossa existência.

Mas é preciso não ser iluso ao extremo de crer que qualquer quídam  vivaracho há de ser tal Guia. As mais das vezes, um charlatão ou um impostor se interpõe em nossos passos e nos promete maravilhas, milagres, poderes extraordinários e as delícias imponderáveis da divindade. O tolo ou estulto deixa-se enganar. O estudante sincero, não!

O Guia ou Mestre é sempre humilde, e nunca faz uso de imposições. Desvela-se por seu Discípulo, e não lhe promete nada que não seja o fruto de seus próprios esforços. Como Mestre, brinda-se, incondicionalmente, ao seu Discípulo e cumpre cabalmente sua missão, não regateando esforços nem sacrifícios, inclusive a própria felicidade e o alento íntimo.

Chega, assim, o momento em que o Discípulo é recebido pelo Mestre, e então começa a sua carreira como tal. Se é verdadeiramente sincero, estudará com afinco e se esforçará, pois sabe que o seu desenvolvimento depende unicamente dele próprio, já que o Mestre não é senão um mentor que adverte, um farol que orienta, uma influência generosa que se brinda sem obrigar. Mas somente no curso do tempo, lapso que pode estender-se a gerações, o candidato a Discípulo chega a ser aceito como tal, e então, sim, pode dizer-se Discípulo deveras. Graças aos seus méritos e esforços, conseguiu transpassar o Umbral do Mistério.

O verdadeiro Discípulo é fácil de ser reconhecido: jamais vacila em seus propósitos, seus empenhos de superação são inquebrantáveis e nunca renega o Mestre nem desatende suas advertências, recomendações e ensinamentos.

O discípulo “recebido” pode ser que deixe de ser sincero, e, então, faz o que lhe agrada. Enquanto que o verdadeiro Discípulo nunca deixa de ser sincero, jamais aparta-se do esforço dignificante e converte-se em verdadeira sombra de seu Mestre, em êmulo seu. Aprendeu a sentar-se aos pés de seu Instrutor, com toda a humildade e dignidade, e nele não fazem mossa os preconceitos nem a vaidade, nem se deixa enganar pelas ilusões do mundo.

O Discípulo que falha em sua sinceridade e aparta-se do caminho reto que lhe propõe o seu Mestre ou Guia, está livre para comportar-se como queira; mas, isso sim, resta-lhe, ainda, enfrentar-se com o Espectro do Umbral, sua própria Consciência desventurada e “malferida”. O verdadeiro Discípulo nunca chega a enfrentar-se com o espectro do Umbral, porque sua Consciência está sempre limpa e serena e em propensão edificante e enaltecedora.

Ser sincero em todas as circunstâncias da vida é a base fundamental de todas as atividades do Discípulo, o qual deve esmerar-se em ser um cavalheiro do Ideal, uma pessoa que se distingue por sua bondade e sensatez, e um servidor incondicional do Universo. Isto significa ser um amante da Verdade e ter um coração generoso, sempre disposto a mostrar a dignidade que aninha no íntimo de seu ser.

Eis aqui algumas regras que deverá cumprir.

“Seja sóbrio em seus costumes. Não faça nada com excessos. Durma pelo menos oito horas diárias; coma o suficiente, mas tratando de ficar sempre com um pouco de fome; evite os licores embriagantes, fumar ou ingerir medicamentos que criam condições tóxicas em seu corpo. No possível, não use a carne como alimento, e rejeite decididamente as drogas enervantes, os perfumes e as especiarias. Banhe-se pelo menos cada dois dias, e não leve roupas pesadas; caminhe diariamente uns três ou mais quilômetros, a fim de suar; faça exercícios dos chamados suecos, a fim de manter sua agilidade muscular, e sustenha sua mente em condição alerta e pleno vigor intelectual. Em resumo, empenhe-se em viver em harmonia com a Natureza, sem apartar-se jamais de seus ditados e procedimentos, na inteligência de que todo o excesso é prejudicial, e todo o apartar-se da inspiração ideal ou das normas dignificantes é simplesmente infamante e deprimente da própria personalidade”.

“Busque, muito acima de tudo, a satisfação máxima da própria dignidade interna, e trate de merecer sempre o mais alto respeito de si mesmo. As pessoas depois o compreenderão, apreciá-lo-ão, honrá-lo-ão por sua pureza ingênita e por sua dignidade. Nada é tão magnânimo como a dignidade interna, a qual, ademais, desenvolve um poderoso magnetismo pessoal, faz-nos simpáticos e objeto de submissa admiração de quantos tratam conosco”.

“Trate sempre a mulher com delicadeza e cavalheirismo, quaisquer que sejam as circunstâncias, porque ela encarna princípios criadores, que são o complemento da virilidade masculina. Nada rebaixa tanto ao homem como uma atitude indigna, desonrosa ou maligna para com a mulher, pois, com isso, demonstra ser perverso e desleal”.

“Ser Cavalheiro ou Dama é dever de todo o ser humano, o que significa distinguir-se em delicadeza de alma e elevação moral. Quem não reúna tais condições, não é pessoa culta nem merece o qualificativo de decente, e, portanto, não tem direito a pretender qualidades, virtudes, faculdades ou poderes espirituais. A Espiritualidade é cultura vivida”.

“Use de toda a sua delicadeza para com a infância e sempre com afã de cultura; há que cultivar as qualidades da criança e todo o delicado e intrincado mecanismo de sua constituição em formação”.

“A limpeza do lar é tão importante como a moral e como o espiritual. Um lar e um ambiente sujo e cheio de desordem influi fatalmente sobre nossa moral, que se torna indigna, perversa e desprezível, e, desta sorte, cai-se em confusões, desalentos e maldades que têm um efeito traumatizante sobre o Espírito ou ser íntimo. Vista-se bem, ou, pelo menos, com limpeza. A pobreza econômica nunca deve traduzir-se em baixeza moral ou pobreza espiritual. Cada um deve se esforçar para atualizar seus melhores anseios, isto é, viver o que busca ou anela”.

Se se é injuriado, há que esquecer tal infâmia. O mais forte é quem mais resiste e agüenta; o mais torpe e bruto é aquele que recorre à ignomínia e à força. Maior perverso é quem responde à perversão alheia com ódio, perseguição, difamação ou desprezo. Aprenda o Discípulo a sublimar as forças da vida. Comporte-se como superior, não como igual ou inferior às forças negativas, destruidoras ou rasteiras”.

“O que fala mal de alguém fora de sua presença é um cínico e perverso, um mexeriqueiro e indigno; não é cavalheiro nem dama, nem tampouco Discípulo de um Mestre de Sabedoria”.

“Seja estudante sincero, pois ninguém se aperfeiçoa de uma hora para outra ou simplesmente com o anelar. Pelo contrário, há que fazer muitíssimos esforços, progressivos, e empenhar-se em viver paulatinamente os grandiosos ensinamentos dos Mestres de Sabedoria. Viva com método e sem recuar em seus empenhos e aspirações de superação”.

“Respeite todas as crenças alheias, embora sejam contrárias ao seu melhor sentir e à sua consciência. Não esqueça que cada credo ou atitude é o reflexo ou a conseqüência de condições de Consciência, e que na Consciência alheia ninguém pode mandar, a menos que as pessoas convertam-se em ilusos ou simples carneiros manejados por qualquer quídam ou amo improvisado”.

“Não esqueça que o ser humano é Templo de Deus, e que deve render culto ao belo, ao bem, e à verdade, onde quer que se encontrem”.

“Por último, cumpra com seus deveres do lar e de cidadão, e será grande”.

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Um discípulo mau e indigno é espetáculo cruel e trágico, porquanto é a representação viva de deslealdade para com o Mestre e de infidelidade para com os Princípios Universais. Não há nada mais  triste e desolador do que um Discípulo que defeccione.  Seu   destino  torna-se mórbido e rasteiro, pois atualiza e expressa uma consciência que se deixa aprisionar pelo mundano. E isto pode suceder ainda quando se tenha conseguido o despertar da Consciência ou  alcançado estágios superiores de espiritualidade. Isso não indica uma queda, senão simplesmente um erro tremendo, como o do viajante que se distancia de sua Guia (o Mestre) para internar-se em terrenos perigosos  (a vida mundana), seguindo seus próprios procedimentos (vaidade, preconceitos, raciocínios egoístas, falsas percepções, emoções desprezíveis, nervosismo descontrolado, mente desequilibrada, vícios, orgulho, etc., etc.). O resultado, naturalmente, chega a ser o embotamento das faculdades internas, a castração volitiva, a obnubilação da Consciência e o auto‑ostracismo dos domínios do Espírito.

É o que se tratou de expor ao público em forma de novela, na obra de Lord Bulwer Lytton, intitulada Zanoni. Recomendamos muito a todos os aspirantes ao Sendeiro da Verdade, que são recebidos como Discípulos, lerem este livro, e ainda aos que obtiveram êxitos iniciáticos de qualquer grau, porquanto apresenta, com exatidão, os perigos que correm os Discípulos ao se afastarem do Caminho.

Entrar no Discipulado é uma responsabilidade que se impõe a si mesmo o ser humano, com o propósito de auto-iluminarse, aper­feiçoar-se e esforçar-se em alcançar os estágios superiores da vida, mediante o próprio empenho e o esforço, o dinamismo, o conhecimento e a divinização.

O Mestre não impõe credos nem normas de conduta, e só pede que cada Discípulo adira, de maneira espontânea e consciente, às regras já formuladas. Daí que, se o Discípulo falha em seus compromissos internos, ele é único responsável. Mas en­contrará sempre um Gênio Universal, o melhor amigo, um ser superior a seus próprios pais, quando sua consciência volte de novo ao Mestre. Os laços entre Discípulo e Mestre são indissolúveis, e unicamente se enfraquecem quando aquele se afasta do Caminho, preferindo uma conduta torpe, vaidosa e viciada. Se o Discípulo que­r voltar ao verdadeiro Caminho não tem  mais do que recorrer à Me­ditação e ao consórcio íntimo com suas próprias forças internas, até conseguir sua reabilitação de Consciência.

Ao falhar, o Discípulo de fato perde a confiança e o carinho do Mestre, porque evita suas responsabilidades morais e distancia-se do Caminho, e é  natural que este o deixe inteiramente à vontade para que prove o remédio de seu próprio mal, que ele mesmo busca. Enquanto o Discípulo se mantém no reto Sendeiro, suas realizações de Consciência são sublimes e enaltecedoras e tem a proteção constante do Verbo Universal, porque age na aura do Mestre, e este o faz objeto, continuamente, de seus obséquios, atenções sublimadoras e ensinamentos dignificantes. Mas ninguém deve crer que, pelo simples fato de ser Discípulo, o Mestre esteja obrigado a encarregar-se de sua vida, de seus cuidados e problemas, e até de suas baixezas e vícios, ou que um simples perdão do Mestre há de bastar para que o Discípulo possa seguir ufano e feliz com sus defeitos, torpezas, preconceitos e egoísmos.

Se o Discípulo se afasta do Caminho, não deve tratar de justificar-se, pois, quanto mais se empenhe nisso, mais ele piora sua situação de Consciência, já que mentalmente se engana a si mesmo e recusa responsabilizar-se por seus próprios erros e torpezas. Isto não há de impedir que sofra as conseqüências, por certo que multiplicadas pelo mesmo fato de sua obstinada resistência contra o inevitável: Karma é o resultado natural e lógico, e, por conseguinte, impossível de evitar, de nossos próprios pensamentos, sentimentos e atos. Por mais que queiramos iludir o Karma, encadeamo-nos a ele, em proporção crescente com a medida em que nos ofuscamos, tratando de desculpar-nos.

Enquanto o Discípulo se deixe corromper por sua própria vaidade e aferrolhar por seus egotismos torpes, será indigno,  e fará bem em não remeter suas culpas ao seu Mestre nem a ninguém, pois se tornará ainda mais indigno. Mas sempre se volta, tarde ou cedo, ao Mestre, porque Ele encarna o Verbo Universal.